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terça-feira, 3 de agosto de 2010


Autismo: Acompanhamento com carinho

Jornal da USP

Texto do Jornal da USP explica as peculiaridades dos autistas, como acompanhá-los e observar seus talentos

O que é um autista e como lidar com ele? Aparentemente, não existe muitadiscordância em relação ao autismo - definido pela Associação Nacional de Crianças Autistas, dos Estados Unidos, como inadequabilidade no desenvolvimento, que se manifesta de maneira grave durante toda a vida e aparece tipicamente nos três primeiros anos, afetando cerca de cinco crianças em cada dez mil nascimentos, mais meninos que meninas -, mas no Brasil há poucas pesquisas sobre o assunto e muitas divergências sobre estatísticas. Especialistas e não especialistas concordam num ponto: pouco tem sido feito no País em favor das pessoas afetadas pelo autismo. No mundo todo o avanço na recuperação de pacientes é lento.

Entre os serviços de atendimento a autistas em São Paulo existem dois com características próprias. No Hospital das Clínicas, funciona o Ambulatório Didático de Fonoaudiologia em Psiquiatria Infantil, além do setor chamado Investigação Fonoaudiológica em Psiquiatria Infantil, situado na Cidade Universitária.

O outro serviço é prestado pela Associação dos Amigos da Criança Autista (Auma), fundada em 1990 pela assistente social Eliana Rodrigues Boralli Lopes e o marido Wagner Lopes. A entidade tem sede na rua Félix Pacheco, em Santana, e cuida de vinte crianças. O HC põe à disposição dos pacientes toda a estrutura médica e de pesquisa da USP, enquanto a Auma, armada de muita boa vontade, foi buscar tecnologia nos Estados Unidos, tentando adaptá-la às condições brasileiras.

"Ilhas de habilidades"
O autista evolui na medida em que "funciona" melhor e funcionar é uma questão de constante treinamento.

O termo "funcionar" é utilizado por especialistas no assunto, como Fernanda Dreux Miranda Fernandes, professora que trabalha no setor de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da USP.

Ela explica que, em meio a enorme diversidade, os autistas apresentam verdadeiras "ilhas de habilidades".

Sem mesmo ser especialista no assunto, Eliana Rodrigues Boralli Lopes, mãe de uma menina autista de onze anos e meio, usa o mesmo termo. Desesperada pela busca de alternativas para cuidar da filha, sem sucesso, passou a estudar o assunto a partir de autores nacionais e estrangeiros, até chegar a um grau de amadurecimento que lhe permitiu fundar a Auma e escrever um livro sobre o assunto: Autismo - trabalhando com a criança e com a família. A obra se baseia em dados empíricos e demonstra um esforço para entender o distúrbio autista, a partir da observação do comportamento das crianças.

As diferenças são comuns entre os autistas. Alguns apresentam inteligência acima da média e são identificados como de "alto funcionamento", outros nem tanto.

Há os que conseguem bom raciocínio com números, outros com cores. "É bastante conhecido o fato de o autista conseguir guardar o dia da semana e do mês de dez anos à frente", diz Fernanda, lembrando o filme Rain Man , no qual Dustin Hoffman interpreta alguém com esse tipo de distúrbio.

Para a fonoaudióloga, isso ocorre pela facilidade que o autista tem de centrar a atenção em um determinado objeto. "Tenho um paciente que dirige carros, terminou o curso colegial, tem facilidade em matemática, mas está com dificuldade em química. É dos que têm bom funcionamento", resume. Há os que demonstram interesse por escala de cores e conhecem, pelo nome, todas elas. "Tive um aluno a quem jamais passaram despercebidas todas as graduações do azul", lembra.

Eliana Boralli, da Auma, aponta a dificuldade das crianças de dar nomes às cores. "Eu noto que elas dão nomes de cores a sensações variadas. São capazes, como ocorreu à minha filha, de identificar uma simples corrida com a cor vermelha. Um de meus alunos já identifica um estado de muito nervosismo com calor intenso."

Cerca de 60% dos autistas não falam. E todos mantêm distúrbios em seu contato com o mundo com o qual se relacionam de modo muito específico, geralmente através de gestos. Os bem adaptados convivem com algum tipo de sociabilização, embora os agrupamentos possam se dar em níveis muito diferentes.

"São pessoas muito suscetíveis ao que se ensina. Mas, pela dificuldade de conhecer o outro e a si mesmas, não entendem sentimentos de alegria ou tristeza, por exemplo. Não são capazes de avaliar a dor alheia ou a sua própria, pois são incapazes de perceber as sensações", segundo a professora Fernanda.

Futuro digno
Isso se explica pelo fato de os autistas terem "dificuldade em estruturar o eu". A assistente social Eliana Boralli prefere dizer que "os autistas têm o eu lesado, de onde se originam muitos de seus problemas". Tal fato se refletiria nas crianças quando não usam adequadamente as palavras ou as aplicam sem manter nenhuma relação com o que está sendo dito. "Talvez aí muitos pais vejam ligações que, às vezes, não existem e passem a entender que seus filhos são até muito mais inteligentes do que parecem ser, numa tentativa de salvá-los do mal de que são acometidos", observa Fernanda Dreux.

"Minha filha gosta bastante de computação e eu vejo um futuro digno para ela", acrescenta Eliana Boralli, lembrando Temple Grandin, autista norte-americana, PhD em ciências animais, biológa e engenheira bem-sucedida, que representa até hoje um desafio para a compreensão do autismo e suas implicações.

Entre os autistas não se generalizam nem fracassos nem sucessos, mas os sucessos são raros, afirma Fernanda Dreux. Estas questões, segundo ela, estão também relacionadas à família, quanto à aceitação ou não da criança desde a concepção. "O desenvolvimento da criança será melhor ou pior a partir do tratamento da criança pela família", informa.

Habituada a desenvolver trabalhos de grupo, Eliana não entende o tratamento de crianças autistas sem a participação familiar. Ensina essa prática na sede da Auma, indicando o melhor meio de conviver com o problema. Aplica nas crianças um método desenvolvido pela Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, adaptado à cultura brasileira. É o método Teacch (Tratamento e educação para autistas e crianças com déficits relacionados à comunicação).

Hoje, depois de anotar pormenorizadamente o comportamento de cada criança inscrita na Auma, freqüentar seminários e realizar trabalhos junto a outras entidades com o mesmo objetivo, foi convidada a conhecer o trabalho desenvolvido na Universidade da Carolina do Norte, no ano que vem.

Eliana tem planos de transformar sua entidade num centro de estudos e pesquisas da doença como parte de seus objetivos a serem alcançados no ano 2000.

Para a professora Fernanda, o processo de aprendizagem percorre um caminho linear, embora haja graus de intensidade de tal distúrbio, que variam de acordo com o país, a cultura ou a linha de raciocínio dos autores. "Há países em que determinados tipos de comportamentos são mais tolerados que em outros, o que leva a crer que os distúrbios, de modo geral, são uma questão também cultural."

Ela exemplifica isso através do comportamento de um autista vindo do Ceará para um seminário em São Paulo, tido por seus orientadores como perfeitamente adaptado. "Durante o evento, o rapaz ficou o tempo todo abraçado a um palestrante alemão, provavelmente para desprazer desse e aprovação dos orientadores."

Isso significa que, no entender dos cearenses, o rapaz estava perfeitamente sociabilizado e, no entender do alemão, cuja cultura propõe maior distanciamento em ocasiões como esta, talvez não. Segundo Fernanda Dreux, crianças autistas aceitam o afeto momentaneamente e podem dispensá-lo em seguida.

De acordo com as pesquisas que vem empreendendo na Auma, Eliana constatou que grande parte dos autistas não entende ou não gosta do contato físico; aprende por associação e pode ou não falar ou escrever. Ela concorda com a fonoaudióloga quando diz que os autistas não se agrupam, nem mesmo a seus pares.

As estatísticas sobre o número de autistas existentes no mundo são divergentes. Variam de 4 a 5 para 10 mil nascimentos e de 2 a 3 para cada grupo de 20 mil.

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